A primeira cena marcante de "Mulher do Pai" é a da morte da avó. Por sua concisão, sobriedade e rigor formal, ela revela já de início uma sabedoria e um domínio da linguagem cinematográfica que serão mantidos ao longo de todo o filme. A ação da morte de Dona Olga é filmada fora de quadro e pontuada pela sugestão, pelo não dito (ou não visto). Pois jamais veremos seu corpo caído no chão. O que vemos é apenas a cadeira de praia e o cesto de roupas virados em frente à porta da casa. Fomos recém apresentados à personagem da velha senhora, mal a conhecemos e, sem qualquer apelo emocional, passamos a sentir sua falta. A falta que ela fará para o filho cego e para neta adolescente.
Depois do falecimento da avó, pai e filha terão suas vidas transformadas. Ele dependerá dela mais do que nunca e ela terá que aprender a cuidar dele, será a substituta de Dona Olga — algo obviamente inesperado e indesejado pela garota. Com a entrada em cena da personagem Rosário, professora de Nalu, a situação dentro da casa se complicará ainda mais, ganhará matiz, e desencadeará sentimentos e situações que causarão desconforto até para o espectador.
As atuações são primorosas. Especialmente a de Marat Descartes. Elas são contidas, minimalistas e, pode-se dizer, mecanizadas — principalmente a atuação da filha do cego. Fazem lembrar os “modelos” bressonianos, o modo como Robert Bresson chamava seus atores: “o importante não é o que eles me mostram, mas o que eles escondem de mim, e sobretudo o que eles não suspeitam que está dentro deles; entre eles e eu: trocas telepáticas, adivinhação”, escreveu o cineasta francês numa de suas famosas notas, que cai como uma luva quando pensada para os atores de "Mulher do Pai".
Esse aparente automatismo dos atores — que para mim é um dos caminhos possíveis para se chegar ao comedimento — é fundamental para integração harmoniosa do conjunto do filme expresso também na exuberância da paisagem, lindamente fotografada, e no ritmo lento e arrastado da vida numa cidade do interior do Brasil, na fronteira com o Uruguai, sabiamente captado pela montagem do filme.
A atuação comedida, enfim, vai revelando aos poucos as intenções ocultas de cada um dos personagens, seus desejos primordiais. Ficamos confusos com os sentimentos que vão surgindo entre pai e filha, desconfortáveis pela sugestão do incesto, ao mesmo tempo que passamos a torcer pela aproximação da professora com o amargurado Ruben (o cego).
Terminada a projeção de "Mulher do Pai", saímos da sala de cinema tentando preencher seus vazios, procurando decifrar suas ambigüidades. É uma bela experiência.